Era uma vez umas miúdas, todas diferentes, que um dia foram todas postas no mesmo sítio, a trabalhar. Com carros, motas, pó, lama, frio, chuva, calor… o que calhasse.
Algumas chegaram ao mesmo tempo. Outras foram chegando e foram-se juntando a esta grupeta. Algumas foram ficando pelo caminho ou seguiram outros.
Como eu disse, estas miúdas eram todas diferentes umas das outras. Mas gostaram sempre das suas diferenças e respeitaram-se sempre nessas mesmas diferenças. E funcionaram sempre como um grupo.
Com o tempo, foram-se encontrando em diferentes momentos da vida. O calendário ditava sempre as mesmas datas para os encontros mas, a fase da vida em que se encontravam e reviam, podia ser qualquer uma na vida dessas miúdas.
Estas miúdas foram crescendo, ficando cada vez menos miúdas. Foram acontecendo coisas nas suas vidas, mudaram coisas, casaram, foram chegando filhos e certamente continuarão a chegar.
Lembro-me de inúmeros estados de alma com que já me encontrei com estas miúdas. Já arranquei para uma corrida estando triste, radiante, calma ou com o meu nervoso miudinho do costume. E, ao longo do tempo, dei por mim (e por nós) a partilhar. Alegrias, coisas menos boas, piadas secas (tantas, meu Deus, não esqueçamos que a minha mãe não tem um braço…tem dois!), às vezes coisas verdadeiramente importantes e profundas, numa qualquer viagem, longa para chegar ao local da prova, ou curta, no meio do Alentejo até aos headquarters da corrida, depois de um dia inteiro a comer pó.
Há, nestas miúdas, um sentido de protecção e companheirismo, nada normal para pessoas que se vêem duas ou três vezes por ano. Se alguém é inconveniente com alguma de nós, salta-nos a tampa e saímos em defesa umas das outras. Se alguma de nós não se sente tão bem, qualquer uma que o perceba, agarra-a por um braço, leva-a a apanhar ar, a conversar, a fumar um cigarro (eu, como não fumo, acompanho com quadradinhos de marmelada), a dar uma volta. Se não pudermos sair juntas, avançamos, pomo-nos à frente (literalmente), para que ninguém veja que algo se passa com ela. As mais experientes defendem as mais novas, ajudam, ensinam e protegem. Não admitimos faltas de respeito, comentários menos agradáveis ou qualquer insinuação menos própria. Defendemo-nos, protegemo-nos, apanhamos reclamações, golpes, o que seja, umas pelas outras.
Somos sérias quando é preciso, agimos com todo o profissionalismo e temos brio no que fazemos. Acartamos caixotes, mesas, cadeiras, sempre que é preciso. Antigamente acartávamos mais, porque éramos menos pessoas. Agora os meninos da logística não deixam, são uns queridos! Somos sorridentes, simpáticas, brincamos e dizemos uns disparates a quem se cruza connosco ou a quem vem ter ao nosso secretariado. Desarmamos os mais mal-dispostos com uma graça qualquer, pomos toda a gente a rir e resolvemos, ou tentamos o melhor que podemos, qualquer problema.
Já chorámos juntas mas compensámos muitas vezes com ataques de riso de ir às lágrimas. Temos as nossas private jokes, gozamos umas com as outras, à vez, e sabemos todas rir-nos de nós próprias, das nossas gaffes ou de alguma característica nossa. Discordamos em algumas coisas, concordamos noutras, encontramo-nos sempre em algum ponto e queremo-nos bem. Gostamos sempre de saber que alguma coisa se resolveu, que estamos mais felizes, que alguma coisa boa aconteceu nas nossas vidas.
Estive fora desta família cerca de 7 anos. Voltei por uma razão que hoje já não existe e fiquei novamente pelas razões de sempre. E fui recebida como se nem um dia se tivesse passado. A primeira coisa que ouvi, depois do regresso foi: “Quem sabe, nunca esquece, Joaninha. Obrigada!”
Há sempre um coro de “obrigados” na hora das despedidas, sempre que acaba uma prova. Há sempre boa disposição, gargalhadas, sorrisos. Estamos exaustas mas sorrimos, com a sensação de dever cumprido. Mas essencialmente é isto. Sempre um obrigada, um sorriso, um abraço sentido, com a certeza de que, se não for antes, nos encontramos na próxima. E que, seja lá como for que nos encontremos, vamos estar lá umas para as outras!
Fotografia: Paulo Maria / Interslide para ACP